ERA UMA VEZ O CINEMA


Anatomia de um Crime (1959)

cover Anatomia de um Crime

link to Anatomia de um Crime on IMDb

País: USA, 161 minutos

Titulo Original: Anatomy of a Murder

Diretor(s): Otto Preminger

Gênero(s): Crime, Drama, Mistério, Suspense

Legendas: Português,Inglês, Espanhol

Tipo de Mídia: Cópia Digital

Tela: 16:9 Widescreen

Resolução: 1280 x 720, 1920 x 1080

Avaliação (IMDb):
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8.0/10 (55504 votos)

DOWNLOAD DO FILME E LEGENDA

PRÊMIOS star star star star star

Círculo dos Críticos de Cinema de Nova York, EUA

Prêmio de Melhor Roteiro (Wendell Mayes)

Prêmio de Melhor Ator (James Stewart)

Festival Internacional de Veneza, Itália

Copa Volpi de Melhor Ator (James Stewart)

Prêmios Laurel, USA

Prêmio Laurel de Ouro de Melhor Drama

Prêmio Laurel de Ouro de Melhor Ator em um Drama (James Stewart)

Prêmio Laurel de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante (Arthur O'Connell)

Prêmios Grammy, EUA

Grammy de Melhor Album da Trilha Sonora de um Filme (Duke Ellington)

Sinopse: A trama é, sim, recheada de tensão sexual e certo um clima de lascívia: as aparições de Laura (ironia ou não, título de um dos filmes mais famosos de Preminger), interpretada maravilhosamente por Lee Remick, são todas repletas de sensualidade, como se ela estivesse constantemente seduzindo os homens ao seu redor sem o menor apreço pelo seu marido ou pelo casamento. Assim, o filme sugere, nem sempre de forma sutil, uma mulher a favor da liberdade sexual, simbolizando o que começava a ocorrer nos EUA e, claro, viria a explodir de vez na década seguinte. Preminger, no entanto, opta por mostrar absolutamente nada. Não há uma cena de sexo e o próprio estupro, centro de toda a trama, jamais é visitado em flashback, sendo revelado unicamente pelas palavras de Laura.

Esta escolha do cineasta se mostra bastante acertada – e, na verdade, é um dos pontos principais de Anatomia de um Crime. Além de fazer com que o espectador utilize sua própria imaginação para recriar a cena, Preminger acaba deixando em dúvida a veracidade do relato da personagem. A plateia jamais fica sabendo se o que ela fala realmente aconteceu ou se é apenas uma história inventada para desviar a atenção do seu marido de uma outra verdade: o possível caso dela com a vítima. Com isso, o cineasta consegue dois grandes feitos: primeiro, uma vez que todo o enredo se desenvolve a partir da história de Laura, coloca em questão o próprio papel e a confiabilidade da Justiça, capaz de aceitar a versão de uma testemunha como prova condenatória; e, em segundo, mantém o espectador sempre com dúvida em relação às verdadeiras intenções da personagem – alguns pequenos detalhes e gestos (jamais explicitados) indicam que a relação entre ela e o tenente poderia estar com problemas, o que leva à questão: será que Laura saía com Barney Quill e mentiu para ele? Definitivamente, ela não parecia nem um pouco triste com o fato de seu marido estar preso

A ambiguidade moral, aliás, não se limita unicamente a Laura (ironicamente, o mesmo nome que dá título a um dos filmes mais famosos de Preminger). Boa parte dos personagens principais também são construídos pelo roteiro sobre tons de cinza, sem definições fáceis sobre quem são e quais as suas verdadeiras motivações. Anatomia de um Crime não tem mocinhos e vilões bem delineados; pelo contrário, seus protagonistas parecem fugir de qualquer espécie de rótulo, sendo capazes de tomar atitudes questionáveis logo após agirem de forma correta. O tenente Manion, por exemplo, é sempre mostrado de maneira recatada por Ben Gazzara, sem grande gestos ou palavras, como se para alimentar o mistério em torno de sua natureza. O próprio Paul Biegler, que deveria ser o exemplo de retidão da obra por se tratar do personagem principal, não hesita em “ganhar” o juiz com um suborno disfarçado relacionado à pesca.

Claro que, para essa complexidade realmente se tornar convincente, é fundamental um elenco de talento e bem preparado. James Stewart, à época um dos grandes astros de Hollywood, utiliza a sua persona de bom moço para conquistar a simpatia da plateia logo nos primeiros instantes, levando o espectador a relevar qualquer possível desvio de conduta que venha a ter nos acontecimentos posteriores. Enquanto isso, além das já citadas ótimas presenças de Remick e Gazzara, Anatomia de um Crime ainda traz George C. Scott hipnotizante em um de seus primeiros papéis e as participações inspiradas de Arthur O’Connell, como o amigo alcoólatra de Biegler, e de Joseph N. Welch, que rouba quase todas as suas cenas com as tiradas espirituosas do juiz Weaver.

O humor, aliás, é presença constante no roteiro de Anatomia de um Crime. Como se o desenvolvimento dos personagens e a precisão naquilo que é apresentado à plateia não fossem suficientes, os diálogos elaborados por Wendell Mayes são sempre inteligentes e perspicazes, realçados por um toque de ironia e acidez que acabam por transformá-los em verdadeiros deleites para os ouvidos. É difícil conter um sorriso, por exemplo, quando o juiz do caso diz a seguinte pérola a uma das testemunhas: “Nada de piadinhas. Deixe isso para os advogados” ou quando a assistente do protagonista rebate, após ser “demitida”: “Você não pode me demitir até me pagar”. Praticamente todos os personagens têm direito a diálogos inspirados, entregues de forma impecável pelos atores, como é também o caso do discurso final de McCarthy sobre a beleza da formação de um corpo de jurados.

No entanto, mesmo com todas estas qualidades, é o trabalho de direção de Otto Preminger que faz de Anatomia de um Crime um grande filme ainda hoje. Como já mencionado, a obra se estende por duas horas e quarenta minutos, com a maior parte desse tempo ocorrendo dentro de um único espaço. É um verdadeiro desafio para qualquer cineasta e, por essa razão, provavelmente o maior atestado da maestria de Preminger na construção de suas cenas. Mesmo com a longa duração, Anatomia de um Crime jamais se torna cansativo, tanto pela história e personagens interessantes quanto pelo domínio completo da mise-en-scéne por parte do cineasta. Preminger posiciona a sua câmera e seus atores dentro do quadro de forma sempre inteligente, explorando ao máximo a limitação de espaço do cenário. Este rigor na concepção visual atinge o ápice em um momento maravilhoso, na qual o promotor de George C. Scott fica encobrindo o advogado Paul Biegler, enquanto este último busca uma posição para que possa aparecer para a plateia – ou, no que diz respeito ao universo fílmico, enxergar a testemunha. É uma cena divertida, sim, mas principalmente uma prova do talento de um cineasta que sabe posicionar os seus elementos dentro de uma composição de plano para atingir os seus objetivos.

Contando ainda com créditos iniciais assinados pelo mestre Saul Bass e uma ótima trilha sonora de autoria de Duke Ellington, Anatomia de um Crime é aquele raro tipo de filme no qual tudo parece estar no seu devido lugar. A trama é bem erigida, os personagens construídos com cuidado e a condução por parte de Preminger é sempre precisa e adequada.

Um dia, há muito tempo atrás, Anatomia de um Crime pode até ter ajudado a derrubar um código de ética que limitava a criatividade de roteiristas e cineastas. Hoje é, pura e simplesmente, um grande filme.

Elenco: